quarta-feira, 18 de julho de 2012

A Perseguida


                                                                    

     Júlia entrou no vagão um pouco ofegante porque precisara correr para não perder o metrô. Tinha ficado presa na reunião com o pessoal da loja de calçados onde trabalhava como vendedora . Chegaria muito tarde em casa e teria que enfrentar as ruas do seu bairro, que era violento e ficava deserto depois das dez da noite.
     Já sentada e com a respiração voltando ao normal, ela deu uma olhada ao redor e notou que o vagão ia quase vazio. Isso era bom porque ela poderia ir lendo tranquilamente, sem ser atrapalhada pelo barulho das pessoas conversando. Tirou da bolsa um livro, ajeitou os óculos e procurou a parte do romance em que parara na última leitura. O metrô partiu e ela pôde ler duas páginas até a parada seguinte, onde desceram poucas pessoas e subiram duas ou três.
     Um homem veio se sentar no banco oposto ao dela, bem a sua frente. Ela o observou rapidamente, mas não lhe prestou muita atenção. Minutos depois levantou os olhos para ele porque percebeu que ele a olhava insistentemente. Isso a incomodava. Então, para intimidá-lo, encarou-o com uma expressão hostil, mas ele sustentou o olhar e até lhe deu um leve sorriso.
     “Cínico!” ela xingou em pensamento, e baixou os olhos, retornando à leitura como se não desse a mínima. Que olhasse o quanto quisesse! Estava acostumada com homens admirando-a. Ela imaginou que aquele uniforme que usava, um conjunto de saia e blusa verde, devia deixá-la muito sexy. Então olhou para baixo e viu os próprios seios quase aparecendo no decote. Era uma coisa bonita de se ver, mas um tanto escandalosa! Ainda não tinha se dado conta do quanto aquele uniforme era provocante!
     O homem continuava a observá-la. Ela não teria se importado se ele ao menos fosse bonito. Mas era feio! Não tão feio; ao menos tinha belos braços, musculosos e peludos. Não estava mal vestido também, mas tinha a barba mal feita e ela não gostava de homens desleixados que não se importam com a própria aparência.
     O que diabos ele tanto olhava?! Só podia ser um tarado. Ele tinha uma cara de tarado! Ela morria de medo de tarados. Medo e nojo, pois seu último namorado tinha sido um tarado. Ela ainda se lembrava da cena com horror: na escadaria do prédio dele, os dois se beijando; quando ela se deu conta, viu que o pênis dele estava pra fora das calças, duro e grande. Foi o fim.
Mas a vergonha mesmo foi quando quis desabafar com uma amiga. Esta quase estourou de dar risadas da estória. E zombou dizendo que ela era uma histérica, totalmente sem esperanças. Mas que culpa ela tinha se só atrai canalhas?!
     Na metade da viagem, Júlia notou que o homem parara de olhar pra ela. Ele ia de cabeça baixa, com uma expressão abobalhada de quem está mergulhado em seus próprios pensamentos. Parecia ter perdido todo o interesse em admirá-la. Talvez ela não fosse tão bonita assim como pensava. Por que ele parara de olhar? Ou só tinha feito aquilo pra provocá-la, só pra atrapalhar sua leitura? E se ela lhe tivesse dado bola? como ele teria reagido?
Reparando bem, até que ele era charmoso com aquela barba mal feita e o jeitão de bandido. Ela podia apostar que se largasse o livro e olhasse pra ele, teria a atenção dele de volta. Sim, era só ela querer.
     E quis. Passou a encará-lo, mas depois de um minuto viu que ele estava longe dali. Ela parecia invisível agora pra ele. O idiota não percebia que ela estava dando mole!
     E se ela cruzasse as pernas, o belo par de pernas brancas e roliças que tinha?
     Cruzou. Mas ele não viu. E se ela agora descruzasse as pernas, lentamente, como a assassina daquele filme famoso?
Foi o que fez, mas também não funcionou. Melhor era voltar ao livro e esquecer.
     Abriu o livro, porém não conseguiu ler. Tinha metido na cabeça que só ficaria satisfeita quando ele voltasse a admirá-la, nem que fosse para ignorá-lo depois. Então, ainda fingindo ler, com a cara enfiada no livro, abriu um pouco as pernas. Ele continuou na mesma, sem reparar no que ela fazia. Ela abriu as pernas mais um pouco e percebeu-se sentindo um certo prazer naquilo. Nunca tivera a coragem de fazer tal coisa antes, mas agora que fazia, descobria o quanto era excitante. De repente compreendeu por que algumas mulheres gostam de se exibir em situações parecidas.
Ninguém no vagão quase vazio notava que ela se expunha daquela forma, nem mesmo o homem a sua frente. Isso a encorajou a ousar ainda mais. Afastou as pernas até onde a saia apertada permitia. E como se não bastasse, desejou não estar usando nada por baixo, como naquele mesmo filme. Como seria ser flagrada assim, sem calcinha no metrô, com os pelos à amostra? Imaginou aquele homem olhando bem para o centro de suas pernas. Que visão agradável seria pra ele! Ela sem calcinha. Ele veria tudo, pois estava bem ali a sua frente, menos de dois metros. Ele veria os pêlos crespos e talvez algo mais. Ela estaria molhada ali e ele saberia.
     Júlia havia fechado os olhos por um instante enquanto se perdia no prazer dessa fantasia. Ao abrir os olhos novamente, tomou um susto porque viu que o homem estava bem atento agora, com os olhos enfiados no meio de suas pernas escancaradas. Ele levantou um olho e sorriu maliciosamente pra ela, como se soubesse que ela dava brecha de propósito. No mesmo instante, ela reagiu e cerrou as pernas, nervosamente. Acabava de se arrepender do que tinha feito e agora só queria que o metrô chegasse logo a sua estação para ela poder descer e nunca mais ter que encarar aquele homem outra vez. Tomada de vergonha, subiu o livro até a cara e fez de conta que lia, como se nada tivesse acontecido. E assim foi até a hora de descer do metrô. 

     Ela deixou a estação apressada e nem olhou pra trás. Caminhou rápido por uma avenida e entrou no conjunto habitacional onde morava. Como já havia imaginado, àquela hora da noite as ruas estavam desertas, as portas das casas fechadas, as pessoas já dormindo em suas camas ou cochilando diante de uma tv. Depois das dez, era como se houvesse um toque de recolher no lugar, por causa da violência.
      A poucas quadras de sua rua, Júlia teve a impressão de que alguém a seguia. Quando se voltou para verificar, quase teve um infarto: o homem do metrô também havia descido ali e a acompanhava de perto. Ela entrou em pânico. Então apressou o passo. Teve vontade de correr, mas a saia era justa demais e os saltos altos não ajudavam. Desesperou-se, pois pelo ruído dos passos dele no calçamento, julgou que o homem também apressara o ritmo. Não tinha dúvidas de que era um maníaco. E todas as portas fechadas àquela hora! Aquela rua muito arborizada era agradável de dia, mas agora de noite era deserta, sombria, esquisita.
     O homem continuava vindo, tranquilamente, como se soubesse que não havia como ela escapar. Ela pensou em gritar, pedir por socorro enquanto tinha tempo. Mas se estivesse enganada, que vergonha não passaria! Por um instante, considerou que talvez fosse apenas uma coincidência, que talvez ele também morasse por ali. Mas como?! Ela apanhava aquele metro todos os dias e não se lembrava de jamais tê-lo visto antes.
     Não, não restavam dúvidas: estava sendo perseguida pelo sujeito. Maldita reunião que a fizera voltar tão tarde! Maldita ela mesma que provocara o homem no metrô! Agora estava naquela situação, perseguida por um tarado no meio da noite naquela rua estreita e esquisita. Ia entrar na primeira esquina e, se ele entrasse também, não teria mais dúvidas: ia gritar. Melhor fazer logo um escândalo do que deixar que ele a seguisse até sua casa e descobrisse onde ela morava. Ou pior ainda! Se ele quisesse entrar em sua casa?! Então é que não teria chances mesmo, pois morava sozinha. Gritaria bem alto se ele dobrasse aquela a esquina ali na frente depois dela. Ladrão não era porque ladrão não agiria assim com aquela tranqüilidade toda. Um ladrão já a teria abordado. Era tarado mesmo!
      Ela dobrou a esquina e entrou numa rua ainda mais sombria e deserta. Olhou por sobre o ombro e quase desmaia ao notar o vulto do homem já muito perto. Ia gritar agora, mas por algum motivo não teve coragem. Como era medrosa! Continuou andando, tentando manter a calma, rezando para que estivesse enganada e aquele homem tomasse outro rumo. Depois de um momento pareceu-lhe que ele estava ficando pra trás e ela quase relaxou. Porém voltou a ficar tensa quando passava por um enorme terreno baldio, com um matagal crescendo dentro e algumas passagens pelo muro em ruínas. Já tinha ouvido falar que ali uma jovem havia sido estuprada algum tempo atrás. Aquele homem as suas costas só precisaria correr poucos metros, agarrá-la pelo pescoço e arrastá-la ali pra dentro. Depois faria o que bem entendesse com ela. Ninguém veria nada e ela não poderia gritar porque certamente ele lhe taparia a boca ou lhe faria ameaças com alguma arma. Seria estuprada de qualquer forma, morta ou viva. “Melhor viva do que morta”, ela pensou e achou que ia chorar, mas não chorou. A amiga tinha razão: ela era uma histérica e sempre fazia tempestade em copo d’água. Não era pra se desesperar porque ainda não tinha acontecido nada e o homem estava longe ainda. Mas nada lhe tirava da cabeça que ele queria lhe fazer algum mal.
     E de repente, pareceu-lhe que ele apressara o passo de novo. Achou que era agora que ia ser atacada. Se visse alguém chamaria por socorro, mas não havia ninguém! Somente ela e ele. Andou mais rápido também, mas já estava quase conformada com sua desgraça. Ia ser estuprada e não tinha como evitar. Dessa vez tinha certeza de que não exagerava, pois era coincidência demais que aquele homem que ela provocara no metrô a tivesse acompanhado até ali.
      Novamente olhou para o matagal escuro dentro do muro esburacado. Ele a levária ali para dentro, provavelmente a amarraria. Depois arrancaria suas roupas e abusaria dela. Mas o mais importante era que ele não a machucasse, que não lhe fizesse um mal pior. Era bom que ela se preparasse e não fizesse bobagem na hora. Seria bem prática e não desgostaria o homem para ao menos sair viva daquela situação. Faria o que ele mandasse. Ou talvez nem tudo, pois tinha uma coisa que não faria nem morta: chupar o pênis dele. Se ele a obrigasse a chupá-lo, ela o morderia com toda força e depois fugiria. Não ia chupar nenhum pau imundo! Ele que não tivesse a idéia!...mas pensando melhor, se o mordesse e não conseguisse fugir, sem dúvida ele a mataria. E se ele tivesse um revólver?! Não dava pra morder e fugir com um revolver apontado pra cabeça. Levava um tiro na hora! Seria idiotice! O jeito era obedecer e não desagradar o bandido. Imploraria pra não chupar, mas se ele insistisse, acabava chupando. É, ia chupar, sim. Pra salvar sua vida ela faria tudo. Não valia a pena arriscar. E depois, talvez se o chupasse e ele se satisfizesse logo, vai que nem a estuprava depois! Seria muita sorte, mas coisas assim podem acontecer. Talvez isso a salvasse! Seria até bom que ele pedisse para ela chupar, pois faria de um jeito que ele gozaria logo e a deixaria em paz. Mas não... ele não ia cair nessa. E tarados não ficam satisfeitos assim tão fácil; do contrário não se chamariam tarados. Ele a obrigaria a chupar de qualquer forma e em seguida a violentaria sem piedade. Ia ser doloroso porque ele a penetraria contra a vontade dela, sem lubrificação, sem ela estar excitada.
     Não se lembrava onde lera uma vez que algumas vítimas de estupro ficam excitadas no momento em que são penetradas, não por apreciarem tal violência, pois nenhuma mulher normal apreciaria; ficam excitadas espontaneamente, sem quererem, como uma reação instintiva e primitiva, pois as fêmeas ancestrais da espécie humana eram estupradas pelos machos e essa era a pratica comum entre os primeiros seres humanos. Deve ter lido isso num artigo científico. Mas é difícil de crer que uma mulher fique excitada com tal barbaridade, embora existam muitos fatos surpreendentes nesse mundo. Será que ela seria uma dessas mulheres de instintos primitivos?! Se ficasse excitada, mesmo sem querer, talvez não sofresse tanto. Se o pênis dele fosse grande demais, era preferível ficar excitada; lubrificada, não sentiria tanta dor. Mas o pior é que ele poderia não se contentar só com isso! Estupradores costumam ser sádicos e extremamente depravados. Iria tentar enrabá-la também. Isso ela não podia permitir. Tudo menos passar por uma coisa dessas! Mas o que uma mulher pode fazer numa hora dessas?! Não adiantaria lutar, pois ele a dominaria fácil, iria obrigá-la a se deitar de bruços no chão e em seguida a penetraria daquela forma, sem que ela pudesse fazer nada. Já tinha visto muitas dessas cenas horríveis no cinema e agora ia acontecer com ela de verdade!
     Era melhor nem pensar a respeito! Aquela moça que havia sido estuprada bem ali naquele matagal...tinha passado por aquilo, coitada! O maníaco tinha praticado as piores depravações com ela. Violentou-a mais de uma vez, na frente e atrás, sem se comover com choro ou apelos, deitado com ela no chão. Ela até imaginava o sofrimento que a pobrezinha havia experimentado. Um pênis duro entrando a força num lugar onde mal cabe seu dedo, arrebentando você toda, e repetindo isso varias vezes. Tarados são sádicos. Sentem prazer em ver você chorar e implorar para que eles parem, mas não param, pois adoram isso.
     A própria moça havia descrito aquele seu horror. Mas ao menos ela havia saído viva pra contar! Era o que Júlia esperava que também acontecesse com ela: não ser morta depois de estuprada. Que ele fizesse tudo, mas ao menos a deixasse viva. 

     Todos esses pensamentos passavam velozes pela cabeça de Júlia enquanto ela caminhava com passos apressados.
Estava perto de casa, mas não queria que ele soubesse onde ela morava. Então não pensou duas vezes e entrou no primeiro beco que viu do outro lado da rua, em frente ao terreno baldio.
     Tinha lhe parecido que era a melhor solução, que poderia escapar por ali, mas ao entrar no beco, arrependeu-se. Quanto azar! Tinha esquecido que aquele beco havia sido fechado semanas atrás. Estava presa ali, entre o enorme muro de uma escola e um armazém. E era um beco tão pequeno e estreito! Não podia ter se metido num lugar pior! Agora é que se complicara mesmo porque não dava mais tempo de voltar.
     Com o coração aos pulos, ela espremeu-se contra a parede e esperou, não tendo mais o que fazer exceto rezar pelo milagre de o homem não a descobrir ali. Quantos erros cometidos num só dia! E essa última idéia de se meter naquele buraco tinha sido o fim da picada! Até parecia que...
Júlia ouviu os passos do homem muito perto. Fechou os olhos apavorada. Pediu a Deus que tivesse um desmaio imediatamente, pois assim não veria nada, não sentiria nada, não sofreria nas mãos do estuprador. Então, quando enfim ela ouviu que ele pisava já na entrada do beco, olhou de canto de olho e, aterrorizada, viu seu perseguidor. Ali estava ele, o mesmo homem que ela provocara no metrô. Era ele, mas...como podia ser?! Ele havia passado reto?! não a atacou como ela havia temido o tempo todo?! Não;pelo contrario! Ele passou e apenas deu um leve sorriso pra ela, quase como se zombasse de ela estar metida naquele lugar daquele jeito, e seguiu seu caminho pacificamente.
     Júlia saiu do beco e viu que ele se afastava sem olhar pra trás. Agora ele lhe parecia ser um homem comum, sem nenhum interesse em estuprar mulheres. Ela estava muito confusa, pois há um minuto atrás tinha certeza de que estava sendo perseguida por um tarado. Não queria acreditar que tudo tivesse sido apenas uma coincidência, que aquele homem que ela provocara no metrô fosse talvez apenas um morador novo do bairro! E no entanto, o homem já havia dobrado a esquina no fim da rua e sumido.
Recuperando-se do susto, ela riu de si mesma. Mais uma vez ficara histérica e fizera uma confusão em sua cabeça louca. Sentiu-se esquisita porque, se por um lado estava aliviada por não ter sido violentada, por outro não suportava a sensação de ter sido tola, de ter se angustiado tanto por nada. Era tão exagerada! E aquele homem passou sem demonstrar o menor interesse por ela! Era o que ela ganhava por dar bola a um sujeito como aquele, que ainda por cima era feio! Aquele mesmo que não era estuprador coisa alguma! Se duvidar, era até gay...e só serviu pra atrapalhar sua leitura! 

Fim

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